domingo, 28 de setembro de 2008

O carona (The Hitchhiker)

No início dos anos noventa, talvez até antes disso, a Rede Grobo (fuc!) passava nas madrugadas de domingo (acho eu) uma série que quando era moleque me interessava, mas eu nunca consegui ver (também não lembro o porquê). Chamava-se "O carona" (The Hitchhiker). Como você deve ter percebido, saquei isso de um canto obscuro da memória, e ainda deteriorada.

Foi aí que pesquisando na net, descobri algumas informações que atiçaram mais ainda a curiosidade: foi produzida originalmente de 1983 à 1991, teve 6 temporadas; no gênero que uns dizem ser horror, outros mistério, mas é dramática, também; a série é da HBO; foi exibida com montes de cortes de conteúdo, pois continha nudez e violência explícita (a HBO já investia num tipo de série mais adulta, como que numa iniciativa que deu frutos mais recentes, como em "A família Soprano", "A escuta", etc.); e possuia um tom de séries de mãos habilidosas como Alfred Hitchcok e Rod Serling (do "Além da imaginação" - anos mais tarde, aí sim em meados dos anos 1990, a mesma HBO exibia aqui no Brasil "Perversions of Science", algo bem inspirado em "Além da Imaginação", mas não tão variado em gênero; possuia também um tom que lembrava os quadrinhos da EC Comics).

Alguém se lembra de "O Carona", e também "Perversions of Science"?

Porque faça o favor de me dizer, não acho nenhuma das duas em canto nenhum, na web ou em loja. A web, aliás, anda meio esquecida dessas séries - tá vendo como a internet não salva todas as lavouras?

O único video que achei, com propaganda antes (com os geniais Stray Cats), tem a abertura da série mais o início de um episódio de "O carona" - http://www.imdb.com/title/tt0085031/ :

http://www.youtube.com/watch?v=lzonIagnUuc

"Perversions of science" é esta - http://www.imdb.com/title/tt0118426/ :

http://www.youtube.com/watch?v=_Gp4u5vR0hk

Quem puder ajudar, ganha um lindo "muito obrigado" de último tipo.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Wario no Wii

O título da postagem não é em japonês. Trata-se de uma propaganda bem legal. Quando propaganda é legal sem ser nociva, merece ser mencionada para além da argumentação de venda. Dá uma olhada:

http://www.youtube.com/experiencewii

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A cidade alicia (tentei evitar)

Image Hosted by ImageShack.us

As séries nacionais trazidas pela HBO até o momento contém cinema. Nesta crescente vertente de produção, cabem distinções, pois na variedade, parâmetros começam a surgir. Por exemplo: “Mandrake”, série intoxicada de pompa e embriagada de futilidade é demasiado produto, e o que ressalta é técnica de realizador em gerar audiovisual (ostentação para entreter); “Filhos do carnaval” é tentativa de agrado de públicos, ousou mais qualidade. E agora “Alice”.

Sim, “Alice” é produto, tem comprometimento com audiência, mas alcança outro patamar. Não é série, não é cinema, como os autores/realizadores afirmam na propaganda no canal por assinatura. Por seu primeiro episódio, a série alcança êxito dramático, técnico, de realização e tem toque autoral. Mas não é cinema de autor, primeiro porque cinema não é coisa de um, segundo porque “Alice” não é puramente cinema. Um híbrido? Talvez. Certamente, com teor de novidade para a TV.

É interessante observar no primeiro episódio, “Pela toca do coelho”, o que opera Karim Aïnouz (um dos diretores da série, junto com Sérgio Machado, Jonny Araújo e Márcia Faria. A Gullane co-produziu). Considerando seus “Madame Satã” e “O céu de Suely”, a precisão do filmar resulta em economia de tempo, mesmo na duração reduzida de episódio. O cinema de Aïnouz é de minimização presencial de trama e tira bastante proveito do tempo. Estando presente a trama, ela é desenvolvida em instantes preciosos. Entre estes, nos intervalos, que são maiores, cultiva-se cenários, desenha-se o ambiente da série, que é não o da megalópole-sociedade hostil, mas o da avalanche de possibilidades óticas, sônicas e tácteis, o da inter-relação de formas, cores, luzes e sólidos. Um labirinto onde Alice precisa se encontrar em si mais do que se localizar onde está.

Hostil é o que carregamos em nós, mas agimos como se o ambiente que mãos humanas empilharam nos induzisse a setorizar uma angústia, para usar um termo aliado à multiplicidade. Não é a poluição, a aglomeração ou o trânsito, mas o que o homem impele e vai implicar algo nele. Os que não são da megalópole, quando chegam, vão receber o impacto que aviva o que o humano traz consigo. Mas seja miséria ou virtude, conter sua expressão – ou ignora-la, entorpecendo-se – é sinalizar o local onde as construções devem desabar. Logo, importa é o que decidimos ser em meio à hiperatividade e ao incessante; este ambiente fica opressivo quando não se corresponde ao ritmo do que a concentração de humanidade estipulou em seu entorno; ritmo simplesmente pede definição, no caso, de nós mesmos devemos ser. O que ritmo megaurbano cobra, se não receber, concede a paga da hipocrisia. Pela intensidade, o que a megalópole faz no homem vem desavisado, e Alice é pega sem aviso.

Num táxi, indo ao aeroporto para que possa retornar a Palmas, a megalópole envolve Alice para expor quem/o que ela é/detém. Primeiro o trânsito, e a dor da ausência do pai ferve. Alice quer ar, mas a tecnologia no carro está fora de operação. Alice abre o vidro, e para quem vive na megalópole extradiegética, acostumado ao que vê como indício da hostilidade metropolitana na forma do assalto, é pego de surpresa com a negação do fatalismo que se supõe companheiro de todas as horas. Quem executa a virada na vida de Alice é ela mesma se deixando envolver pela demanda da cidade, não é um assalto ou uma enchente que faria isso; Alice tampouco se conforma à ambulância e ao táxi. A livre-escolha humana, ou arbítrio, quer se conceba livre ou não, está em ação, e no primeiro episódio tem muita relevância. A avalanche humana em dados momentos chega antes que o tsunami do mundo. Realismo consciente.

Tendo mergulhado na cidade para atravessar a noite e para perder-se, só chegando o dia Alice pode encontrar seu caminho. Mas há uma bipolaridade disponível a Alice: não tendo lar em São Paulo, e não podendo acessar o lar de alguém, só lhe resta acessar o trabalho de alguém, visto que também não possui trabalho seu para servir de refúgio - São Paulo em sua forte prisão. Alice procura o brechó que pertence à tia numa galeria paulistana. No trajeto diz a si mesma não se arrepender dos atos noturnos, um deles, uma traição; “Não sinto culpa.”, ela diz, exultante, resoluta. Adentra então a galeria, procurando o Brechó Christiania; seu encontro com ele se dá num plano em que uma coluna oculta parte do nome na fachada do estabelecimento, resultando na leitura do termo como “Christi”. Ali se encontra a tia. Na troca de palavras, escapa uma breve dor num “me ajuda”, de menor intensidade a exultação anterior.

Não sabemos ainda se Alice será uma personagem que exibe uma imagem de si para o mundo e por trás dela existirá a Alice genuína, uma personagem que se resguardará em sua descoberta. Mas a interpretação da cidade em “Alice” já cede sinais de que o que a megalópole ergue do íntimo humano, vai criando camadas até o âmago, onde quem somos na verdade está. Embora não pareça, o ser humano é mais forte que a cidade. Por isso, olhos atentos não apenas as camadas banais, mas aos detalhes que pulsarão em menor destaque. De ambos se produz o que as séries da HBO alegam ser, dramáticas. Isso pede olhos não só para entretenimento. Ótimo.

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Nada de estrelas ou desenhozinhos. Aprovação: 77,9%

Se você não é assinante do canal, pode assistir ao primeiro episódio aqui:
http://www.alice-hbo.tv

Datas e horários de exibição dos episódios nos canais HBO:
http://www.hbo-br.tv/sinopsis.asp?ser=134&prog=HBE185052

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A fúria e a razão de Moore

"Acho que o cinema na sua forma atual é muito prepotente. Ele nos dá comida na boca, o que dilui nossa imaginação cultural coletiva. É como se fôssemos passarinhos recém-saídos dos ovos olhando pra cima, com nossas bocas bem abertas, esperando que Hollywood nos alimente com um vômito de vermes. O filme de Watchmen parece mais vômito de vermes. Eu, pelo menos, cansei de vermes."

"Há três ou quatro empresas agora que existem somente para criar não quadrinhos, mas storyboards para filmes. Pode-se dizer que a única razão pela qual a indústria dos quadrinhos ainda existe é essa, para criar personagens para filmes, jogos de tabuleiro e outras mercadorias. Os quadrinhos são uma espécie de horta onde crescem franquias que podem ser rentáveis para a indústria cinematográfica debilitada".

Alan Moore, quadrinista, autor de HQS como "V de vingança", "Watchman", "Miracleman", "Do inferno", "A liga extraordinária" e trabalhos emblemáticos com personagens das majors norte-americana, como Monstro do Pântano e Batman.

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Moore tem razão no que diz, mas em parte.

Certamente Moore fala de uma parcela do cinema, a qual consome, e tem razão no que diz. A parcela do cinema em questão é aquela vereda preferencial do cinema de entretenimento: contar uma boa estória. Isto corresponde a roteiros com tramas e subtramas criativas, personagens que não vão muito a fundo em questões existenciais (para não exigir demais da humanidade que deseja apenas se ver no lugar dos persoangens em situações seguras para o físico, mas que pelo sonho são ousadas), clímax preciso e intenso, imagens que dentro de um padrão de verossimilhança sejam maravilhosas (daí a sede por efeitos especiais), áudio que seja cativante e envolvente. Se pegarmos na literatura os contos de horror, serão aqueles que primam pela atmosfera, e por isso trata-se de uma arte de envolver o leitor numa teia de imaginação em que o sobrenatural espreita na forma de horrores primevos; é uma arte da descrição e sustentação climática por parte dos autores - por isso Edgar Alan Poe e H. P. Lovecraft. Esta é o tipo de arte preferido das grandes produções Holywoodianas. O problema é que a indústria do entrtenimento fez disso produção em massa, e esterelizou a potencia da arte: a arte precisa ser consumida rápido para se consumir mais dela. Eis a razão de Moore.

No que ele erra é sobre a grande produção cinemotográfica mundial (e que Holywood também produz, diga-se), que prima por ser relevante. É arte, mas não necessariamente filme de arte (que pra muita gente doutrinada no catecismo da indústria é o filme chato, por exigir mais da humanidade do espectador). Corresponde ao cinema que se esmera em ser boa experiência, não apenas boa estória, e traz consigo uma gama de artifícios que concede ao espectador visões para e sobre a vida, através de esmero narrativo, alegorias, gramática e sintaxe fílmica, beleza funcional, interferência na vida, incremento humano, e muito, muito mais, inclusive os artifícios usados pela indústria de entretenimento - cada filme tem um valor único e valores subjacentes a serem descobertos. No citado exemplo da literatura de horror, os contos fantásticos, góticos ou não, que funcionam como crítica, filosofia, arte, emblema de época; vale tudo em nome das intenções autorais - por isso Oscar Wilde, William Beckford, Jorge Luis Borges. O problema é que certos autores, gênios até, às vezes são dotados de pompa em demasia. Moore generalizou.

Três ou quatro editoras são notadamente fábrica de idéias para o esgotamento criativo da indústria de entretenimento. Outra generalização. Existe muita HQ na atualidade sendo feita desconsiderando a via para o cinema, tanto é que trata de temas que não se enquadram no Parental Guidance da indústria. Moore parece estar esquecido de que HQ é uma arte tão sequêncial quanto o cinema, e tem proximidade com o cinema: uma estrada atravessa duas cidades.

A prepotência, em princípio, não está na arte, mas no mercado, no entretenimento que só quer consumir mais dele mesmo. A arte usa de artifícios no jogo de manter espectadores/leitores diante de si na contemplação benéfica à humanidade. Ela manipula e pede manipulação dentro dum período em que vigora o lúdico, mas cede de si um retorno a quem lida com ela.

Até certo ponto não há ser humano na face da Terra livre de um mísero traço tirânico. Terrível constatação?

Um exemplo é a declaração de Moore, que pela generalização, impõe a quem a medida de sua diatribe é injusta.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O apreço pela desordem


“Serras da Desordem”, de Andrea Tonacci – BRA – 2006

http://www.imdb.com/title/tt0922605

Fugere urben! Lá no bucólico e pelo naturalismo, onde o homem pode ser puro e a civilização não o alcança, haverá maior realização e o homem maculado será mais íntegro no que perdeu.

Não.

A civilização é uma cicatriz eterna enquanto dure o homem, e ela destrói qualquer possibilidade de pureza, apenas pela sua atmosfera, mesmo quando encontra os que nasceram distante dela.

É a respeito de Carapiru a estória e a história. Carapiru é a pessoa-protagonista. Aquele que muitos ainda hoje ousam não considerar pessoa, exatamente os mesmos que intentaram enxotar Carapiru da vida, para posteriormente o cinema acolher (controle), pois o cinema não tem poder de salvar; o cinema não redime a existência – embora traga consigo muitos apontamentos do caminho.

Escurraçado da vida Carapiru recusa ser. Vai existir no exílio, no medo – fosse este impregnado de civilização, seria no ódio, na revolta, mas o mistério da docilidade reside nele – em uma década de solidão humana, mas não existencial, visto que a floresta é existência e cosmo.

No entanto, há muito o cosmo já não é mais certeza de afeto. O cosmo é força ou coisa. No cosmo, o afeto que se apresenta mais disponível, é no humano – mas no que está impregnado de civilização; o afeto coabita com a civilização.

Carapiru encontra satisfação no afeto, mas a civilidade, ainda que parcial, reinventa o vivo-protagonista segundo suas lógicas de controle. A civilização pode corromper o afeto: afeto entre gente e bicho de estimação.

Surge o INCRA, mas o afeto civilizado familiar o resiste (controles). A FUNAI vem corrigir o desvio de afeto lançando o indígena na intensa civilização (controle). Carapiru existe, desde seu reencontro com a humanidade, fora de qualquer esfera de controle?

Existe enquanto enigma a ser decifrado, e depois que o decifram, pela redescoberta do possível afeto familiar original, ele é devolvido ao controle original de etnia. Mas a degradação está em todo lugar, da mata à civilização, sempre provocado pelo controle. Já é mito o indígena livre, ele cada vez mais é o civilization junkie.

Há um idioma que o Carapiru da nossa contemporaneidade fala que intérprete algum hoje é hábil na compreensão. Nem de sua etnia, sua nacionalidade ou sua moral. É no mistério do que fala a quem não lhe entende que Carapiru pode ser isento de controle, e finalmente livre.

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Nada de estrelas ou desenhozinhos. Aprovação: 98,8%