segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

True Blood - há bebida nas veias de todos


Indústria japonesa lança o produto “True blood”, sangue sintético que pelo mercado passa a permitir a inserção social dos vampiros na diversidade humana. A política se realinha para compreender o interesse dos novos cidadãos, todavia seres centenários. Em cenário norte-americano, ocorre resistência moralista para a inserção social dos hemófilos, tanto quanto amoralista (de hedonistas, existencialistas, capitalistas, e outros mais) humano, que procura tirar proveito do sangue vampírico, apelidado de V-juice, incrementador das características e habilidades humanas. A trama se centra na New Orleans pós-Katrina, onde vive a protagonista Sookie Stackhouse, telepata e garçonete que serve seus clientes rejeitando a intrusão dos pensamentos deles na mente dela, algo que funciona como uma antena.

"True Blood", pelos dois primeiros episódios, é algo feito pra se gostar; para uma grande massa gostar. É realizado nas bases da excelência técnica hollywodiana, e como tal fica devendo em porções que são pertinentes ao Cinema (Hollywood e HBO são cinema, mas Cinema também é muito mais que ambos). Narrativa linear clássica (não se deixe levar pela competente abertura-embalagem), com roupagem de algo contemporâneo de padrão médio. Muito boa fotografia, desenho de som sem estripulias, roteiro sem exageros criativos, edição privilegiando a trama; não se quer ir além e nem ficar aquém disso. Elenco competente transborda latência potencial (todos em ponto de bala pra ir além; querem ir além – poderão ir além?).

Produto de entretenimento puro, com algumas escapadelas críticas que podem soar um pouco fora de lugar para a massa, pois veja bem, ela está diante de um produto orgulhoso de ser mercado (que nivela todos sob segurança supostamente indelével), ainda que na tônica despudorista HBO - que é fundamentalmente mercado, com a diferença de que esta sempre se esmerou em forjar mercado particular para si (“O carona - The hitchhiker”; desde “Twin Peaks”?). A HBO em “True blood” joga sob regras estéticas do mercadão, majoritário, fazendo pensar em novo review estético. É bom notar que o ápice de ousadia, o excepcional “John from Cincinnati”, fez água, coisa que “True blood” já se mostra indisposto a fazer.

Há que se torcer para que o que soa oportunista não o seja (o críticismo social), mas se confirme como uma característica que ao longo da série eleve a qualidade dela. “True blood” coloca o espectador diante de si feito vampiro sedento de sangue; o melhor está aqui, então mais e mais, só que aos poucos, pelos furinhos na jugular. A questão é se mais adiante bate a humanidade no espectador: “Putz, mas é só isso?” – este é o risco da pasteurização mercadológica na série, bem presente, e da vontade de comportar tudo sobre o tema (o espectador, já acostumado ao vampirismo, notará sempre o que é nativo da série, e não a tomará como mesmice da múltipla ficção de vampiro?).

Mas a que vai se dever o necessário incremento de qualidade, a qual a série se inclina, afinal de contas?

Ao conteúdo dramático, sem dúvida. O proposto redesenho social a partir do mercado, é muito interessante, o problema é disparar tiros para todos os lados sem mirar nenhuma vez no mercado que é o grande mantenedor da série. Quero dizer que ousadia estética é uma coisa (que aliás não é o forte de “True blood”), mas ousadia crítica dramática outra. Assumir uma postura crítica sobre muito na realidade, mas não firmar tal postura no jogo mercado-espectador real é no mínimo hipócrita e isso desbarata qualquer ousadia dramática.

Na face de gênero da série, há o perigo do kitsch. “True blood” opta por partir não de uma corrente do sub-gênero vampiresco, mas por contar com a contribuição de todas as correntes, reorientando segundo o momento da série alguns de seus aspectos. O novo vem da reciclagem, não da inauguração: o cenário é a New Orleans e vampiros são ex-humanos mortos de corpo sempre frio que não podem morrer afogados, óbvias referências a Anne Rice; porém a prata que imobiliza e o convite que permite o vampiro entrar numa casa, é de universo vampírico mais clássico; já o beber do sangue de um vampiro não tornar um humano em vampiro (outra coisa os torna, e também não é a mordida de um vampiro), é contrário a Anne Rice, mas é de outra ordem, talvez os quadrinhos da Vertigo ou mitologia não tão popular, mas pode ainda ser coisa criada na própria série. “True blood” é o tabuleiro da baiana de presas pontudas.

Como também a série não é construída para imprimir medo (a indelével segurança), nada de sustos. O máximo de tensão se dá nas viradas dramáticas ou no gancho ao final de cada episódio. O que vai se dando é um desfile de referências aterrorizantes, mas sob condução do drama e de alguma aventura (com alguma ação), também evitando o humor negro, sem desprezar situações de ironia. Mas há presença de outras referências, como filme B de terror, noir, o terror crítico e cômico que se filia a maestria de George Romero, John Carpenter, Joe Dante. Sem gore algum, claro, mas com tempero sexual a la HBO - o que cerca a penetração é explícito, mas a penetração em si nunca o é.

É divertido, mas é inevitável a noção de que vai gastar fácil, principalmente porque o vampirismo é algo desbotadíssimo, que carece de renovação, mas a série não resolve encarar logo de início. Paciência. Se o pior acontecer, toda a parafernália vampírica no futuro será como sobra de carro alegórico de 3 meses pós-carnaval. Acontecendo o melhor, pronto, já dá pra mostrar pra molecada tonta (adolescente ou adulta) o que é série decente, não "Supernaturals" da vida.

***

Nada de estrelas ou desenhozinhos. Aprovação: 74,2%

ESTRÉIA: 18 de janeiro de 2009 na, HBO BR, às 22h00.
MINISITE: http://www.hbo-br.tv/trueblood/default.asp
SITE: http://www.hbo.com/trueblood (dá pra assistir a primeira temporada completa em inglês).
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0844441/

Epsteinmologia

"Não existem histórias, nunca houve histórias, há apenas fatos sem pé nem cabeça, sem começo e sem fim".

Jean Epstein, 1897 (Varsóvia - Polônia) - 1953 (Paris - França).

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Libertos

Liberdade no contexto contemporâneo é:

Despreendimento, íntima sensação de leveza;
Desvencilhar-se do outro para ficar preso a si mesmo;
O espontâneo tráfego entre prisões - entre instituição e grupo, entre família e casal, entre o eu e o nós, entre o nada e o tudo - petrificações conceituais aquém da experimentação;
O que fica para depois do "Não me enche o saco!";
Peidar no elevador logo na sequência de outra pessoa que acabou de fazer o mesmo.