
"Há três ou quatro empresas agora que existem somente para criar não quadrinhos, mas storyboards para filmes. Pode-se dizer que a única razão pela qual a indústria dos quadrinhos ainda existe é essa, para criar personagens para filmes, jogos de tabuleiro e outras mercadorias. Os quadrinhos são uma espécie de horta onde crescem franquias que podem ser rentáveis para a indústria cinematográfica debilitada".
Alan Moore, quadrinista, autor de HQS como "V de vingança", "Watchman", "Miracleman", "Do inferno", "A liga extraordinária" e trabalhos emblemáticos com personagens das majors norte-americana, como Monstro do Pântano e Batman.
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Moore tem razão no que diz, mas em parte.
Certamente Moore fala de uma parcela do cinema, a qual consome, e tem razão no que diz. A parcela do cinema em questão é aquela vereda preferencial do cinema de entretenimento: contar uma boa estória. Isto corresponde a roteiros com tramas e subtramas criativas, personagens que não vão muito a fundo em questões existenciais (para não exigir demais da humanidade que deseja apenas se ver no lugar dos persoangens em situações seguras para o físico, mas que pelo sonho são ousadas), clímax preciso e intenso, imagens que dentro de um padrão de verossimilhança sejam maravilhosas (daí a sede por efeitos especiais), áudio que seja cativante e envolvente. Se pegarmos na literatura os contos de horror, serão aqueles que primam pela atmosfera, e por isso trata-se de uma arte de envolver o leitor numa teia de imaginação em que o sobrenatural espreita na forma de horrores primevos; é uma arte da descrição e sustentação climática por parte dos autores - por isso Edgar Alan Poe e H. P. Lovecraft. Esta é o tipo de arte preferido das grandes produções Holywoodianas. O problema é que a indústria do entrtenimento fez disso produção em massa, e esterelizou a potencia da arte: a arte precisa ser consumida rápido para se consumir mais dela. Eis a razão de Moore.
No que ele erra é sobre a grande produção cinemotográfica mundial (e que Holywood também produz, diga-se), que prima por ser relevante. É arte, mas não necessariamente filme de arte (que pra muita gente doutrinada no catecismo da indústria é o filme chato, por exigir mais da humanidade do espectador). Corresponde ao cinema que se esmera em ser boa experiência, não apenas boa estória, e traz consigo uma gama de artifícios que concede ao espectador visões para e sobre a vida, através de esmero narrativo, alegorias, gramática e sintaxe fílmica, beleza funcional, interferência na vida, incremento humano, e muito, muito mais, inclusive os artifícios usados pela indústria de entretenimento - cada filme tem um valor único e valores subjacentes a serem descobertos. No citado exemplo da literatura de horror, os contos fantásticos, góticos ou não, que funcionam como crítica, filosofia, arte, emblema de época; vale tudo em nome das intenções autorais - por isso Oscar Wilde, William Beckford, Jorge Luis Borges. O problema é que certos autores, gênios até, às vezes são dotados de pompa em demasia. Moore generalizou.
Três ou quatro editoras são notadamente fábrica de idéias para o esgotamento criativo da indústria de entretenimento. Outra generalização. Existe muita HQ na atualidade sendo feita desconsiderando a via para o cinema, tanto é que trata de temas que não se enquadram no Parental Guidance da indústria. Moore parece estar esquecido de que HQ é uma arte tão sequêncial quanto o cinema, e tem proximidade com o cinema: uma estrada atravessa duas cidades.
A prepotência, em princípio, não está na arte, mas no mercado, no entretenimento que só quer consumir mais dele mesmo. A arte usa de artifícios no jogo de manter espectadores/leitores diante de si na contemplação benéfica à humanidade. Ela manipula e pede manipulação dentro dum período em que vigora o lúdico, mas cede de si um retorno a quem lida com ela.
Até certo ponto não há ser humano na face da Terra livre de um mísero traço tirânico. Terrível constatação?
Um exemplo é a declaração de Moore, que pela generalização, impõe a quem a medida de sua diatribe é injusta.■
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